Os nossos espaços são uma extensão de nós. Passamos por alguns por pura necessidade e a repetição faz com que nada signifiquem, para além de lugares de passagem. Talvez um dia, já longe dessa rotina, ganhem o significado saudoso e grato dum passado sem regresso, sobressaindo da penumbra, a descoberta das coisas boas.
Existem lugares, para sempre agarrados às memórias mais significativas. A casa onde crescemos, com todos os seus cantos memorizados à nossa dimensão de então, envolta nos cheiros, associados a lembranças. Os locais de brincadeira, a escola e tantos outros, assinalando marcos importantes, ficaram afectos instalados.
O espaço onde vivemos maioritariamente em tempo, como os locais de emprego onde passámos consecutivos dias, meses e anos. Quantas alianças e amizades com outras vidas aí encontradas quotidianamente. Quando a ausência acontece, o local importa, surgindo envolto nas lembranças das relações estabelecidas e dos momentos vividos.
As casas onde se habitou ou habita, são espaços de extrema importância. São o nosso próprio espelho, com móveis e objectos a nosso gosto, por nós adquiridos ou adoptados, mantidas e conservadas pelos nossos cuidados. Aí rimos, e choramos, numa sucessão de bons e maus momentos, frequentemente partilhados. Espaço que deixa de ser uma casa para passar a ser um “lar”, palavra valiosa, pela carga afectiva que contém. Mesmo quando nesses espaços ecoam discussões contínuas, gritos, cenas dramáticas, vivem-se doenças graves, suportam-se e escondem-se os efeitos de vícios, frequentemente continua a existir o sentido do comum, dos laços, do dever. Quando a união familiar subsiste, a morada pode transitar de um lugar para outro, mas o espaço ocupado é sempre “lar”.
O “lar” também se perde e desgasta quando as relações familiares passam a não ter expressão de conjunto, centrando-se na personalização individual. O “lar” desfaz-se então, e cada um vai tentar novos laços, novos afectos, novos espaços seus. Quando não acontece a separação física, o “lar” passa progressivamente a ser “pensão”. Os espaços comuns esvaziam-se com a perda dos momentos comuns. Cada qual, faz do seu quarto o lugar permanente. Contudo, estão lá todos, usando a casa que um dia foi “lar”, numa confusão sobre os deveres e direitos, sem se perceber até onde subsistem.
No passado, era comum as pessoas gravitarem uma vida inteira nos mesmos espaços. Hoje, cada vez tende mais a não acontecer assim. Nasce-se num local e andarilha-se por um sem número de outros, lendo-se nos passos dados uma história de vida.
Jesus Varela
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