segunda-feira, 9 de agosto de 2010

CONVERSAS COMIGO

Sonolenta fechou a gaveta e lá deixou os rascunhos daquele dia. Fora longo, cansativo. Triste? Alegre? Um pouco de tudo ou muito de cada. Sempre assim era… Os olhos cavados que o digam. Quantas vezes as lágrimas rolam insubmissas à vontade de não dar nas vistas, pois acontecem em qualquer lugar. Só é preciso o pensamento desocupado dar livre curso aos arquivos reconditos onde fecha os desgostos e as desilusões. Mágoas de poder ter sido mas não foi. Causas e consequências encadeadas num dia a dia contínuo, vindo de longínquos tempos…

Nunca se pode voltar para trás e refazer tudo. Há construções já erguidas, endurecidas, cimentadas, impermeáveis à alteração. Viver é tecer um longo cordão entrançando pedaços de vidas, imprimindo marcas e selos no íntimo dos actores dessa peça contínuamente representada. Também não dá para mudar de rumo. A decisão já não cabe ao nível individual. É colectiva e desordenada num emaranhado jogo de interesses e desamores.

O papel, silencioso confidente, fiel ouvinte, vai registando os desabafos, sem finalidade prevista. Só o intento de desanuviar a carga pesada e tornar suportável o incontornado caos … Assim o inaudito ganha forma e vai habitar o fundo da gaveta. Mais leve, parece ficar por momentos a carga. Ilusão! As crostas agarradas às feridas, nunca saram por completo quando são arrancadas precocemente. Deverá haver um caminho de cura natural, até só restar a cicatriz. Embora não doendo, assinala a dor, por ali passada…

A noite cai. A gaveta perde-se no escuro e os olhos cansados cedem. A força necessária do descanso ganha a batalha ao querer em vigília. A consciência mergulha no sono, também ele leve, dando espaço ao desenrolar de outras peças representando reflexos, anseios, sonhos e frustrações…

Como seria bom dormir profundamente!
Jesus Varela