segunda-feira, 13 de setembro de 2010

MARCA ANÓNIMA

Era um vulto enrodilhado. Identifiquei umas calças de ganga azuis e uma camisola da mesma cor. O braço esquerdo rodeava a cabeça deixando visível a nuca. Cara voltada para a calçada, nada foi visto. Tudo adivinhado…

Uma jovem de 16 ou 17 anos, vulto esguiu e flexível, sentada no portal duma garagem, debruçada sobre o passeio, enrolada sobre si mesma, numa qualquer rua de Lisboa. Mas o que me saltou à vista e me fez reparar, foi aquele gesto, à partida sem sentido, mas podendo ter o mais profundo deles.

Com um marcador preto, cobria integralmente um paralelipípedo da calçada. Só um. Camada sobre camada, com gestos repetitivos e impregnados de força. Como quem descarrega raivas acomuladas, deixando numa marca sem rosto, o significado daquele momento. Restará uma realidade perdida e ignorada, ausente da pessoa e circunstância que a criaram. Marca anónima de alguém e de alguma coisa.
Jesus Varela

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