segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

"JUNTANDO PÉROLAS"

Pérolas são os passos dados na vida. Pérolas resultantes do ter vivido! Pérolas ainda, porque significam uma experiência única, um privilégio! Ter estado neste mundo, mesmo que tão de passagem, (mais de passagem para uns do que para outros), e ter vivido, é por si só uma fábrica de pérolas…
Mas, como saem essas pérolas! Como numa mesma vida, elas são tão irregulares! Umas brilham, redondas, perfeitas. Outras, cheias de rombos, de altos e baixos, sem o brilho, que lhes foi ofuscado pelo sofrimento… Como se consubstanciaram em lágrimas, correram nos rostos, cavaram sulcos profundos e esconderam o terno e nacarado brilho característico das pérolas!
Os velhos trapos, ficam vulneráveis, esgaçam facilmente, e as cores vão desbotando. A sua fragilidade vai-os relegando para a arca dos trapos, vai-lhes dando funções ainda úteis mas depreciativas, onde se desgastarão progressivamente até deixarem de ser pano e restar um emaranhado de fios podres e inúteis, tão inúteis que já nem servem para lavar o chão e terminarão por aí ao pó, ao vento e à chuva, esquecidos, pisados, misturados com lama, na terra, até que com ela se confundam…
Há gentes tratadas como trapos destes. Onde estão as suas pérolas? Nem a recordação delas prevalece numa mente descolorida, desmemoriada, esvaziada… Do colar só resta a sequência, o fio que deveria receber e arrumar as pérolas, os dias, com tamanhos flutuando nas vivências de cada um… O mesmo tempo medido em várias dimensões, e em variados padrões…
Outros, são cuidadosamente arrumados em prateleiras, criadas para esse fim. Aí, estão ao abrigo da chuva e do vento, calmamente aparando os seus temporais interiores, fustigados pela falta de amor, de carinho, pela presença da saudade do seu próprio espaço, da sua própria vida que lhe é negada, arrebatada, decidida com o seu querer forçado ou alienado ou esquecido ou incapacitado, mas para sempre perdida a fábrica das pérolas perfeitas e belas.
Há ainda os que lúcidos e conscientes de que as capacidades se foram, aceitam docemente o que lhes traga certeza do cumprimento das necessidades básicas. São talvez os que nunca tiveram sonhos e viveram sem interrogações, sempre numa atitude de braços abertos ao destino…
Mas há os que continuam a não acreditar que com os anos vem a ruína e teimam em encontrar sempre novos caminhos, que tornem os dias úteis, contáveis e ridentes. Bem-haja a estes que não sendo muitos, são os maiores em exemplo. Louvemos ainda aqueles que ajudam, quer em ambiente familiar ou fora dele, a manter esta sanidade do gosto pela luta e pela vida…
São assim, tão variadas as pérolas desse colar, para quem as vive ou viveu, não raras vezes, tão descoloridas para quem as olha! Todas transportam o vivido, a experiência o sabido. Pelos ancestrais conhecimentos, pelas raízes biológicas, afectivas e cognitivas ganharam o direito a ser olhadas, admiradas, respeitadas e sobretudo acarinhadas, por todos os que num afã pleno de vida e de ascensão, estão no auge, a fabricar as suas pérolas.
Jesus Varela
(A ideia de que os anos vividos são pérolas acomuladas, foi retirada há tempos, do blog duma amiga (http://jelicopedres.blogspot.com) sugerindo-me esta divagação sobre o tema)

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